domingo, 20 de maio de 2012

ENTREVISTA COM O SUPERINTENDENTE DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA NO RN, JÚNIOR TEIXEIRA


"Os pequenos e médios pecuaristas precisam de uma atenção maior"


A crise do setor pecuário motivada pela estiagem e por barreiras sanitárias que, sem o cumprimento de exigências, impedem o ingresso de animais e produtos  da atividade em outros estados  poderão ajudar a reduzir à metade o rebanho potiguar. Para evitar a perda, o governo deve ser célere em garantir alimentação para o gado e desburocratizar o aceso ao crédito, de acordo com Júnior Teixeira, superintendente do Ministério da Agricultura no Rio Grande do Norte. O pecuarista é candidato, em chapa única, à presidência na  Associação Norte-rio-grandense de Criadores (Anorc). Nesta entrevista à TRIBUNA DO NORTE, ele analisa os principais gargalos do setor e, sobre o declínio da produção de leite - que é um dos problemas identificados no estado hoje - ele diz que o aumento do preço do produto não é a solução. "O aumento no preço é só um paliativo. Seja os três centavos, seja R$ 1, é paliativo. O gargalo que temos é a dependência da produção do  programa do Governo". O setor precisa, diz Teixeira, despertar para outras alternativas, como a instalação de uma indústria de leite em pó e a aposta em novos produtos. Confira a entrevista:

Alberto leandroJúnior Teixeira, superintendente do Ministério da Agricultura no Rio Grande do NorteJúnior Teixeira, superintendente do Ministério da Agricultura no Rio Grande do Norte

Qual a avaliação do momento atual por que passa o setor agropecuário?

Há uma fragilidade muito grande, principalmente nos estados do Nordeste, carentes de infraestrutura e que dependem muito das chuvas. Esse ano, a escassez de chuvas é atípica, ultrapassa os limites dos anos normais de estiagem. E as consequências são maiores para os produtores. Os pequenos produtores pronafianos estão mais acobertados, porque as necessidades são menores e existe uma rede de financiamento de recursos públicos desburocratizados, que ao final tem um desconto no pagamento. O médio e pequeno produtor carecem de uma infraestrutura melhor e precisam de uma atenção maior. O governo adotou algumas providencias em relação ao crédito de emergência, mas que não atende ao pequeno e médio. Estes continuam sendo submetidos ao mesmo processo para tomar um crédito que os normais. São as mesmas exigências, atualizar cadastro, fazer avaliação, certidão e terá que hipotecar a sua propriedade. Isso não é tratamento de urgência e emergência. Se continuar com esse trâmite, esse crédito vai servir somente para fazer o enterro dos animais. Porque para alimentar é que não vai ser.
O que precisa mudar?

O governo deve rever essa medida provisória e dar o caráter de emergência, fazendo com que tenha um rito sumário para o pequeno e o médio produtor. O crédito desburocratizado. Esta medida institui o limite de R$12 mil para os pronafianos e R$ 100 mil, para os pequenos e médios. Deve se agilizar, daqui a mais 30 dias a situação piora. O rebanho vai começar a morrer porque não tem mais o que dar. O gado vai perder peso. É preocupante. O governo precisar agir rápido com esses créditos.

Esta semana, o Governo alterou os efeitos do incentivo financeiro do Proadi sobre a carne que vem de fora, para incentivar o consumo do boi local. Como o senhor avalia esta medida?
 
Essa medida é perfeita. Tem um efeito positivo para os criadores do Rio Grande do Norte. Ela vai no foco, porque cria uma barreira  e quem compra gado para o abate, vai dar preferência ao produto local. Mas será que existe gado gordo para o abate? Se existe, até quando? Isso reduz os efeitos positivos para até enquanto existir esse rebanho para o abate. Inicialmente é importantíssima, mas para ter efetividade por mais tempo é preciso complementar com a emergência desse crédito para comprar a ração e alimentar o gado que está em condições medianas. Isso daria eficácia e longevidade a essa medida do Proadi.

A produção de leite no Estado está em queda e os produtores pedem o aumento, maior que os R$ 0,03 dado pelo governo, no preço do litro pago pelo Programa do Leite, como forma de alavancar o crescimento. Esta é a solução?
 
O aumento no preço do litro não é a solução definitiva para resolver o problema. O aumento no preço é só um paliativo. Seja os três centavos, seja R$ 1, é paliativo. A crise que a cadeia leiteira enfrenta não é causada pela seca, mas agravada por ela.

E qual a origem dessa crise? Tem como ser revertida?

A origem é a defasagem da variação do preço final do litro do leite vendido pelo produtor em relação ao custo dos insumos para produzir este mesmo litro. De 1995 para cá, a defasagem é de cerca de 400%. Enquanto nesse período, os insumos aumentaram cerca de 500%, enquanto que o reajuste no preço do leite foi de 142%. O governo tem uma parcela de culpa, mas deve obedecer a lei do mercado, da oferta e da procura. Não pode deixar R$ 1 real acima do restante do país.  Estou falando como um crítico e não como criador. E pergunto: quais as medidas que foram efetivadas pelos criadores para que os custos fossem reduzidos? Existiu alguma iniciativa para a compra coletiva destes insumos para reduzir os custos? Eu não sei responder, porque não sou produtor do leite. Há possibilidade de criar alternativas de consumo? De produtos novos no mercado?  O leite produzido no Estado não é consumido aqui no Estado. O leite de saquinho, que é o produto local, vai para as classes C, D e E. O potiguar consome leite enlatado. Partindo desse princípio, estamos produzindo só para o governo, para a destinação do programa social. Esta dependência de vender só para o governo é o grande gargalo.

E quais as alternativas para reduzir esta dependência e colocar o leite do Rio Grande do Norte, de fato, no mercado?

Está na hora de se pensar em se produzir leite para atender a demanda das classes A, B e C do Estado, que movimenta a economia, para que consuma o leite do Rio Grande do Norte. A alternativa é a captação de uma indústria, de uma fábrica de leite em pó ou de outros produtos que não seja só o leite 'in natura'.
 
Essa destinação só para  atender a demanda de programas sociais do estado, como o Programa do leite, ou aquisição pelas classe de menor renda, como o senhor apontou, tem a ver   com a qualidade do produto?

Não. De jeito nenhum. É uma questão de embalagem, da conservação. Ninguém vai ao supermercado e compra leite de saquinho, prefere outra embalagem, o leite de melhor conservação, que não precise ficar fervendo. Foi a melhoria do poder aquisitivo que proporcionou o deslocamento do leite de saquinho para o leite enlatado ou UHT, que são produtos mais práticos no uso, no manuseio, na conservação. E parece que os produtores ainda não atentaram para essa mudança nos hábitos, no estilo de vida da população. Há um diagnóstico do setor, mas falta apontar soluções. Que não é aumento de preço. Aumentou o preço, cada produtor vai aumentar a produção e isso vai abarrotar o mercado de leite e  o preço vai cair de novo. Aí o aumento na produção puxa  a  procura por insumo, aumenta o custo.
 
E para a instalação dessa fábrica de leite em pó, há recursos? A produção local é suficiente para sustentar essa fábrica?

 Claro que é. Sabemos que é  uma indústria caríssima. Mas é possível com a produção de leite em quantidade suficiente para movimentar essa fábrica, desde que o produtor invista e tenha retorno. O governo deve buscar parceria, por meio de parcerias privadas, para instalação de industrias aqui. E se não der certo assim, o governo pode fazer os investimentos da parte pesada dessa industria, por meio de emendas parlamentares. A estrutura ficaria para o governo e ele faria comodato com cooperativas, isso começa a mudar o cenário começa a produzir em quantidade, comparar em quantidade. Do contrario vai perpetuar a dependência do leite, tentar aumentar o preço. É preciso novas alternativas.

Como o setor deve encerrar o ano? Quais as projeções?

Cerca de 50% do rebanho deve ser dizimado, entre o abate dos animais que ainda estão em condições de abate e as perdas devido a seca.  É muito alto. Talvez não seja a isso. Porque existe outro problema que é a  barreira sanitária devido a circulação de febre aftosa. Antes, em períodos de estiagem o criador arrendava terra no Maranhão, transportava o gado para lá, engordava e vendia. Com as barreiras sanitárias, que não permitem o trânsito, o criador não pode fazer isso e será obrigado bancar, comprar o animal vivo ele de novo. Ou seja pagar o valor que ele custa só para mantê-lo.


Onde o Rio Grande do Norte errou para não avançar na classificação quanto ao risco de febre aftosa (de modo a evitar esse tipo de barreira)?

Um dos grandes problemas é que o governo, no período de recursos, não teve recursos para investir e manter o órgão de defesa estadual, o Idiarn, em condições mínimas para que sendo auditado, apresentasse as condições favoráveis para que o estado pudesse caminhar para a mudança de status. Faltam pessoas, veterinários, e a questão do cadastro de animais e propriedades que não estão atualizadas, são os pontos principais.  Quanto a cobertura da vacinação, os produtores fizeram a parte deles. O estado que não cumpriu a dele, fazer a fiscalização, a multa, a vacinação forçada.

Quais os prejuízos materiais que esta restrição no trânsito dos animais e produtos da pecuária potiguar para outros estados trará?

Não há como quantificar o prejuízo a comercialização. Mas ficam prejudicados todos os setores, desde o leite, corte e, sobretudo o que produz a genética de bovino, caprino e ovino. As repercussões acontecem dentro e fora do estado. Quem está fora, não vai vir pra cá porque não tem certeza que vai vender 100%. Dentro, a tradição de beneficiamento genético também sai prejudicada, enquanto perdurar essa situação, o prejuízo é grande. Os produtos e subprodutos, pela precaução e exigência do Ministério, não terão a entrada permitida, porque pode mascarar a soroepidemiologia.

E qual a previsão de saída? O Rio Grande do Norte pode se submeter ao inquérito ainda este ano?

O Governo disse que poderia, mas são só previsões. Mas essa avaliação será feita, quando for feita nova auditoria pelo Ministério da Agricultura.


Quais soluções para sair dessa crise geral que está instalada?
 
Algumas providências estão sendo tomadas, em relação a seca. O deputado Henrique  Eduardo Alves esteve na Conab, e em audiência com o ministro para mudar critérios e uma possível redução para o preço do saca do milho de R$ 32 para R$ 21, além de alternativas de ração para o rebanho, como farelo de soja e o babaçu, comercializado aos produtores pela Conab. Além da desburocratização do crédito e de viabilizar a oferta desses concentrados. E para a produção de volumoso deve se valer das usinas de cana de açúcar.  Por enquanto a questão da água não está apertando muito os produtores, por incrível que pareça.

A falta d´água não está afetando?
 
Não, porque em quase todas as cidades através do programa de adutoras tem água. Então o consumo humano está atendido. Também perfuraram muitos poços. Mas precisa-se perfurar mais. São infraestruturas que são feitas e também permanecem. Outro problema que a seca traz, não é o momento agora, mas a partir de outubro e chega até dezembro, se não chover, é que muitos desses pequenos açudes e barreiros vão secar. Então é um problema, mas traz oportunidade de esses pequenos açudes e barreiros estando secos de se fazer a limpeza deles, fazer o desassoreamento deles. E fazendo esse desassoreamento se pode aumentar de 50% a 100% a oferta d´água para o próximo ano. Eu acho que o governo também devia olhar para isso. Aqui no Ministério da Agricultura, nesses últimos três anos, salvo engano, foram repassados aos municípios mais de R$ 15 milhões em patrulhas mecânicas então está na hora de se usar essas patrulhas mecânicas para fazer o desassoreamento. Já existem as máquinas. Mas é preciso a ajuda do governo para o custeio,  para botar as máquinas para funcionar. Porque o próximo ano aumentaria a capacidade hídrica.


A tendência então é que haja uma dizimação de 50% do rebanho...

Eu acho que não é dizimação. Porque teremos parte dos animais vendida para o abate, além dos que são perdidos (por causa das adversidades climáticas, por exemplo). Eu conheço pessoas que já venderam 50% do rebanho. Então quem tem condição de vender vai vender o que é possível vender. Com a medida que o governo tomou, do Proadi, vai ajudar.

Com uma estimativa de perda de 50% em quanto tempo seria possível para o estado recuperar o rebanho que teve no passado?


Isso leva algum tempo. Não se faz de um ano para outro. Até porque hoje o produtor vende em um preço e se quando se for adquirir estiver mais caro ele vai comprar menos gado do que você vendeu.

A expectativa então é de um resto de ano bem mais difícil..

Sem dúvida. Muito difícil. Isso, lógico, será amenizado dependendo da resolução desses gargalos que eu apontei. Lógico que se houver celeridade do governo em adotar medidas muita coisa se resolve e será salva.

Que projetos de gestão o senhor teria para a Anorc?
 
Nós não assumimos ainda. Mas quero dizer que se nós chegarmos lá (se formos eleitos para assumir a gestão da associação) vamos fazer uma gestão participativa. Ouvindo os criadores. Não é que vamos solucionar os problemas. Mas vamos procurar dar alternativas de soluções aos problemas do setor.


Fonte:   Jornal  Tribuna do Norte
Sara Vasconcelos
repórter

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