O relator da Lava Jato na Corte e responsável pela ordem de prisão do senador petista e do banqueiro André Esteves, Teori Zavascki, disse que as revelações representam “grave ameaça à ordem pública” diante de "esforços desmedidos para garantia da própria impunidade".
Na sessão extraordinária da turma, o ministro leu ainda a manifestação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que disse que há um "componente diabólico" no embaraço das investigações. "Seu silêncio (de Cerveró) compraria o sustento de sua família, em evocação eloquente às práticas tipicamente mafiosas", escreveu Janot em relatório à Corte sobre o caso.
Cármen Lúcia fez uma comparação dos desdobramentos da Lava Jato com o escândalo do mensalão e citou mote de campanha presidencial do PT em 2002: "Houve um momento em que maioria de brasileiros acreditou num mote em que a esperança tinha vencido o medo. Na ação penal 470 (mensalão), descobrimos que o cinismo tinha vencido a esperança. Agora parece que o escárnio venceu o cinismo".
'Mandamentos'
O ministro Celso de Mello reforçou a opinião da ministra. "Ninguém está acima da lei, nem mesmo os mais poderosos agentes políticos governamentais". "Quem transgride tais mandamentos (da democracia), não importando posição, não importando se patrícios ou plebeus, se expõe às leis penais e por tais atos deve ser punido nos termos da lei", disse o decano do Supremo. "É preciso esmagar com todo o peso da lei esses agentes criminosos", continuou Celso de Mello.
Gilmar Mendes classificou a conduta de Delcídio como "uma situação grave e também rara". O ministro Dias Toffoli afirmou que o Tribunal "não vai aceitar nenhum tipo de intrusão nas investigações que estão em curso". "Criou-se uma lenda urbana de que o Judiciário e esta Suprema Corte seria leniente com a impunidade, que não atuava contra os agentes políticos e poderosos. Isso é uma lenda urbana e uma falácia", disse Toffoli.
Os ministros se incomodaram com a sugestão de Delcídio de que poderia influir politicamente dentro da Corte a favor de um habeas corpus para o ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró. Gilmar Mendes disse não ter recebido pedidos sobre Cerveró e afirmou que os ministros "tem contatos inevitáveis com parlamentares, uma marca da vida, da convivência em Brasília".
A tentativa de preservar Delcídio e Esteves não evitou que Cerveró narrasse, em acordo de delação premiada firmada no último dia 18, supostas práticas de crimes pelo parlamentar e pelo banqueiro. Nos depoimentos ao Ministério Público Federal, Cerveró relatou a prática de corrupção passiva por Delcídio no contexto da aquisição de sondas pela Petrobrás e da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. O banqueiro André Esteves também foi citado pelo ex-diretor da estatal. Ele relatou prática de corrupção ativa, com pagamento indevido ao senador Fernando Collor (PTB-AL), em operação de troca de bandeira de 120 postos de combustíveis em São Paulo.
Repercussões
MINISTROS DO STF :
"Agora, o detentor do cargo público terá de ter freios inibitórios mais intensos e não cometer ilegalidades porque as instituições estão funcionando. Isso nos dá esperança para gerações futuras, não para a nossa. Mas estamos no caminho da correção de rumos. A população precisa de um alento e este alento está no funcionamento das instituições."
Marco Aurélio Mello
“Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou num mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece-se constatar que o escárnio venceu o cinismo"
Cármen Lúcia
“Quem transgride tais mandamentos [da democracia] não importando posição, não importando se patrícios ou plebeus, se expõem as leis penais e por tais atos devem ser punidos nos termos da lei. (...) Nem cinismo, nem oportunismo, nem desejo de preservar vantagem de caráter pessoal podem justificar práticas alegadamente criminosas (...) “
Celso de Mello
PARLAMENTARES E DIRIGENTE DO PT:
"O governo não pode, em função desse episódio, paralisar o país. Há uma questão inusitada. Há um ineditismo. Mas as coisas tem que caminhar em seus leitos normais. Houve uma decisão do Supremo. Uma decisão inusitada. E coube ao Senado dar uma solução para o problema”.
José Guimarães - Líder do governo na Câmara dos Deputados
"Nenhuma das tratativas atribuídas ao senador têm qualquer relação com sua atividade partidária, seja como parlamentar ou como simples filiado. Por isso mesmo, o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade".
Rui Falcão - Presidente nacional do PT
"Deprimente a informação de que ele estaria atrapalhando as investigações. Pelo menos as instituições aqui não se transformaram em instituições bolivarianas. Ou seja, todas as denuncias estão sendo investigadas."
Ronaldo Caiado - Líder do DEM no Senado
Plano de fuga tinha jatinho e até um veleiro
Brasília (AE) - É logo no começo da conversa com Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró, que o senador Delcídio Amaral (PT-MS) revela o plano de enviar o ex-diretor internacional da Petrobrás para a Espanha. Entre as hipóteses para fuga, o congressista e os demais presentes cogitaram o uso de um avião com autonomia para cruzar o Atlântico e até mesmo a travessia do Pacífico com um veleiro, a partir da Venezuela.
O principal objetivo era tirar Cerveró do Brasil tão logo ele recebesse um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal para deixar a cadeia em Curitiba. Aos 10 minutos de conversa, o advogado Edson Ribeiro cita que a fuga é necessária, pois aposta que, logo após a concessão da liberdade provisória, o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, decretaria outra nova prisão.
"Então vou abrir o jogo aqui, é sair e ir embora, ele não fica aqui (no Brasil)", afirma Ribeiro. O filho de Cerveró, que é o responsável pela gravação da conversa, concorda. Na sequência, Delcídio deixa clara a ideia de tirar Cerveró do País. "E aí ele iria para a Espanha. Ele tem dupla cidadania. Não teria problema nenhum", conclui o senador.
Com a autoridade de líder do governo no Senado, Delcídio explica a Ribeiro e a Bernardo as articulações que fez no STF para conseguir o habeas corpus. E, aos 15 minutos de conversa, volta a falar da fuga. "Hoje eu falo, porque acho que o foco é o seguinte: tirar. A hora que ele sair tem que ir embora mesmo", afirma o petista.
Na sequência, o filho de Cerveró cita a possibilidade de se utilizar uma rota pela Venezuela de barco. "A gente tava pensando em ir pela Venezuela (...) acho que o melhor jeito seria um barco (...) porque aí chega na Espanha, pelo menos você não passa pela imigração." Delcídio e o advogado Edson Ribeiro discordam. "Cara, é muito longe", diz Ribeiro.
O filho de Cerveró complementa: "Eu tenho um amigo que trouxe um veleiro agora". Parte do senador do PT a ideia viabilizar uma rota pelo Paraguai, de avião. "Mas a saída para ele (Cerveró) melhor é a saída pelo Paraguai". O advogado se gaba ao dizer que já tirou outros clientes do país. "Eu já levei muita gente por ali, mas tem convênio, quando você sai com o passaporte mesmo", disse.
Modelo de avião. Aos 19 minutos de conversa, é discutido o modelo de avião capaz de levar diretamente Cerveró da América do Sul para a Europa. "Eu tenho amigos que tem empresa de táxi aéreo (...) ver com eles qual o custo disto, a gente bota no avião e vai embora", diz Ribeiro. Na sequência, o advogado cita a possibilidade usar um avião Citation. Mais uma vez, Delcídio mostra seu interesse em tirar Cerveró do País e afirma que a aeronave mais adequada para cruzar o Atlântico é um Falcon 50. "Não, não. Citation tem que parar no meio... tem que pegar um Falcon 50, alguma coisa (...) Aí vai direto, vai embora. Desce na Espanha. Falcon 50, o cara sai daqui e vai direto até lá", finaliza o senador.
No 18 de novembro, após intensas negociações, Cerveró fechou um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República Era esse o temor de Delcídio. O líder do governo tinha receio de que Cerveró o envolvesse no esquema de propinas na Petrobrás, estatal onde o petista trabalhou no setor de Óleo e Gás, no governo Fernando Henrique Cardoso.