A adolescência e o álcool
Imagem/Arquivo Blog "naserra" |
O
Brasil tem na lei referências muito precisas acerca do consumo de
bebidas alcoólicas por crianças e adolescentes, porém na esfera da
moralidade e do senso comum dos brasileiros as linhas são incertas e
surpreendentemente inconsistentes.
Como explicar que a venda de cerveja a jovens em bares e eventos festivos seja um fato corriqueiro, incapaz de indignar a pessoas presentes? Como entender que inúmeras famílias, não importando a classe social, o poder econômico ou o grau de educação formal, aceitem em comemorações realizadas no seio do espaço doméstico a ingestão de álcool por seus filhos, porquanto supervisionados pelo olhar atento dos pais?
Ora, se a lei proíbe e, em sentido inverso, a moral prevalente de nossa cultura flexibiliza o rigor da determinação legal, algo de muito grave atinge os instrumentos que possibilitam distinguir o certo do errado, deixando a sociedade em apuros e sem saber como valorar o comportamento de seus pares. Quando os dois sistemas normativos mais importantes da harmonização social, o Direito e a Moral, caminham em sentidos tão diversos, o que se vê é o enfraquecimento das regras e a perda de sua capacidade de produzir efeitos.
Um exemplo prático serve para dimensionar a importância do problema. É dizer, como a lei trata os pais que oferecem bebidas a crianças ou aos filhos adolescentes e, por outro lado, como a moral encara essa atitude?
Sob a perspectiva legal, tal fato pode resultar na condenação dos genitores nas penas do crime previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Eles também podem ser demandados civil e administrativamente, utilizando-se o Ministério Público da ação de suspensão ou destituição do poder familiar nas hipóteses dos arts. 1.637 e 1.638 do Código Civil e da representação administrativa para aplicação da multa prevista no art. 249 do ECA, a qual pode variar de três a vinte salários mínimos.
Já sob a ótica moral, uma perspectiva guiada mais pelas convicções pessoais de cada um do que pelos ditames da lei ou dos costumes, a oferta de bebida aos filhos não é certeza de culpa ou responsabilização. Antes de ato reprovável, a atitude pode ser compreendida como esforço de socialização, considerando que o álcool tem forte apelo cultural e reforça relacionamentos. É possível ainda pensar que os pais estejam "emancipando" os filhos, encorajando-os a enfrentar os desafios da vida, sendo o álcool um importante ritual de passagem à idade adulta. E mais, pode ser entendida como um gesto de confiança entre os genitores e a prole, digno de aplausos. Enfim, moralmente falando muitos pais não se sentem responsáveis por controlar o consumo de bebida pelos filhos, em especial na adolescência.
Mas, o conflito entre o rigor da lei e a tolerância da cultura brasileira traz consequências nefastas. Uma vez que se imagina que a proibição pode ser relativizada e que o dever de fiscalizar é apenas dos órgãos de proteção, como o Ministério Público, a Vara da Infância e Juventude e o Conselho Tutelar, então o entendimento de que tudo é permitido, até mesmo o ilícito, agiganta-se e acaba dominando a compreensão dessa questão ética. Certamente por isso o consumo ocorre hoje com uma frequência absolutamente indesejada, podendo ser verificado em todas as cidades brasileiras. Na conta dessa má interpretação da norma, deposita-se ainda parte da violência urbana, já que o álcool é fator determinante em acidentes de trânsito, agressões físicas, rixas e em muitos outros crimes.
Para concluir, é preciso lembrar que a adolescência pertence à adolescência, na qual o álcool ainda não pode ter vez, sob pena de agredir o delicado processo que é o caminho para a idade adulta. Se o Brasil já admite penas, multas e sanções civis, inclusive com restrições ao exercício do poder familiar, cabe decidir o momento em que o País adotará posição mais rigorosa e se indignará com o consumo de bebidas por crianças e adolescentes, erigindo, enquanto regra simultaneamente legal e moral, a determinação dirigida aos pais e à sociedade de não oferecer álcool a seus filhos, não apenas por ferir a lei, mas também por ser indevido, impróprio, inadequado, ilegítimo e infame.
Como explicar que a venda de cerveja a jovens em bares e eventos festivos seja um fato corriqueiro, incapaz de indignar a pessoas presentes? Como entender que inúmeras famílias, não importando a classe social, o poder econômico ou o grau de educação formal, aceitem em comemorações realizadas no seio do espaço doméstico a ingestão de álcool por seus filhos, porquanto supervisionados pelo olhar atento dos pais?
Ora, se a lei proíbe e, em sentido inverso, a moral prevalente de nossa cultura flexibiliza o rigor da determinação legal, algo de muito grave atinge os instrumentos que possibilitam distinguir o certo do errado, deixando a sociedade em apuros e sem saber como valorar o comportamento de seus pares. Quando os dois sistemas normativos mais importantes da harmonização social, o Direito e a Moral, caminham em sentidos tão diversos, o que se vê é o enfraquecimento das regras e a perda de sua capacidade de produzir efeitos.
Um exemplo prático serve para dimensionar a importância do problema. É dizer, como a lei trata os pais que oferecem bebidas a crianças ou aos filhos adolescentes e, por outro lado, como a moral encara essa atitude?
Sob a perspectiva legal, tal fato pode resultar na condenação dos genitores nas penas do crime previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Eles também podem ser demandados civil e administrativamente, utilizando-se o Ministério Público da ação de suspensão ou destituição do poder familiar nas hipóteses dos arts. 1.637 e 1.638 do Código Civil e da representação administrativa para aplicação da multa prevista no art. 249 do ECA, a qual pode variar de três a vinte salários mínimos.
Já sob a ótica moral, uma perspectiva guiada mais pelas convicções pessoais de cada um do que pelos ditames da lei ou dos costumes, a oferta de bebida aos filhos não é certeza de culpa ou responsabilização. Antes de ato reprovável, a atitude pode ser compreendida como esforço de socialização, considerando que o álcool tem forte apelo cultural e reforça relacionamentos. É possível ainda pensar que os pais estejam "emancipando" os filhos, encorajando-os a enfrentar os desafios da vida, sendo o álcool um importante ritual de passagem à idade adulta. E mais, pode ser entendida como um gesto de confiança entre os genitores e a prole, digno de aplausos. Enfim, moralmente falando muitos pais não se sentem responsáveis por controlar o consumo de bebida pelos filhos, em especial na adolescência.
Mas, o conflito entre o rigor da lei e a tolerância da cultura brasileira traz consequências nefastas. Uma vez que se imagina que a proibição pode ser relativizada e que o dever de fiscalizar é apenas dos órgãos de proteção, como o Ministério Público, a Vara da Infância e Juventude e o Conselho Tutelar, então o entendimento de que tudo é permitido, até mesmo o ilícito, agiganta-se e acaba dominando a compreensão dessa questão ética. Certamente por isso o consumo ocorre hoje com uma frequência absolutamente indesejada, podendo ser verificado em todas as cidades brasileiras. Na conta dessa má interpretação da norma, deposita-se ainda parte da violência urbana, já que o álcool é fator determinante em acidentes de trânsito, agressões físicas, rixas e em muitos outros crimes.
Para concluir, é preciso lembrar que a adolescência pertence à adolescência, na qual o álcool ainda não pode ter vez, sob pena de agredir o delicado processo que é o caminho para a idade adulta. Se o Brasil já admite penas, multas e sanções civis, inclusive com restrições ao exercício do poder familiar, cabe decidir o momento em que o País adotará posição mais rigorosa e se indignará com o consumo de bebidas por crianças e adolescentes, erigindo, enquanto regra simultaneamente legal e moral, a determinação dirigida aos pais e à sociedade de não oferecer álcool a seus filhos, não apenas por ferir a lei, mas também por ser indevido, impróprio, inadequado, ilegítimo e infame.
Olegário Gurgel Ferreira Gomes [ Promotor de Justiça ]
Fonte: Jornal Tribuna do Norte
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