domingo, 17 de setembro de 2017

BODEGA DE SEU DAVID: UM PATRIMÔNIO DA SERRA DE MARTINS/RN

A Bodega do Seu David: 64 anos de história


A bodega de Seu David foi fundada em 17 de julho de 1953, e é tombada como patrimônio histórico-cultural de Martins.

Em uma cadeira de balanço, ao pé de uma saca de feijão, David Leite de Andrade, 87 anos, ou Seu David como é conhecido, nos espera para a entrevista paciente e rodeado por pães, bolacha comum, rapadura e cachaça. Além de biscoitos, queijo de coalho, feijão no quilo, farinha de trigo e chinelo de sola. Alça para alpargata, bainha de couro, mel de abelha, café na colher… e incontáveis especiarias em seu comércio.



A bodega de Seu David foi fundada em 17 de julho de 1953, e já é tombada como patrimônio histórico-cultural de Martins. Antes de chegar ao local atual, esquina das ruas Coronel Cristalino, com doutor Bianor Fernandes, frente ao Colégio centenário Almino Afonso, centro de Martins, o comércio estivera em outros dois locais, primeiro no bairro Jocelim Vilar e depois no bairro Camboa.

“Quando eu comecei perguntei a uns parentes onde eu poderia colocar uma vendinha de especiarias, e eles me disseram só se fosse ‘fora’ da rua”, relembra Seu David. O comerciante lembra que quando comprou o prédio o local era apenas um local acanhado, uma casa velha adquirida por 800 Cruzeiros.

“Quando eu fui comprar eu perguntei a um primo meu: ‘onde é o ponto’, e ele me respondeu que era de frente ao Colégio, eu então fiz o negócio mesmo sem ver o prédio”, riu do fato.


Em tempos de grandes redes de supermercados, Seu David se orgulha de nunca ter fechado o seu comércio no horário de 6h da matina até as 21h e ainda mantém a tradição de vender especiarias fracionado.

Seu David diz que ainda é comum as pessoas aparecerem com pouco dinheiro para comprar coisas no quilo, em pedaços e até mesmo em xícaras, como óleo, café, etc. “Hoje em dia é mais raro, mas esses dias veio um menino com R$ 5,0 reais pra comprar café e açúcar. Ora, só um pacote de café custa esse valor, mesmo assim vendi”, diz rindo da passagem.

Outro fato inusitado para os tempos “modernos” é o fato de o comerciante ainda ter em seu estabelecimento um caderno em que anota os produtos vendidos para seus fieis clientes, quase centenários. “É tudo anotado e calculo na mão mesmo. Sendo pra eu fazer a matemática na máquina eu não faço”, explica David.

Infância

“O que me fez sair de lá (do sertão) é que a gente era muito pobre”.

David nasceu no sítio Trincheira, em 1930, ao lado da Casa de Pedra, em Martins, e diz ser o segundo filho da prole de onze irmãos. Como a gente do seu tempo, afirma que teve uma infância difícil.



“Onde eu morava se avistava a proa da Casa de Pedra. Foi uma infância muito difícil, e trabalhávamos muito. Quando a gente acordava tinha que buscar logo água em um jumento, muito longe. Hoje tem águas nas torneiras das cidades e os meninos não querem mais ir pegar”, diz rindo o simpático comerciante.

“Antigamente as coisas era muito difíceis. Uma vez minha mãe ganhou menino e me mandou vir a cidade comprar umas bolachas, (no tempo em que só comia bolacha quem tinha dinheiro, ou quem era doente), e o padeiro não quis me vender, e me perguntou se havia alguém doente em casa. Eu respondi que minha mãe tinha ganhado menino, só assim ele me vendeu”, relembra Seu David.

“O que me fez sair de lá (sertão) é que a gente era muito pobre. Foi então que eu comecei a plantar umas sementes de algodão, lutando com a lida com meu pai, até que deu pra eu comprar um garrote, depois uma vaca e fui juntando dinheiro. Então um dia cheguei para a minha mãe e disse “mãe, vou cuidar em outra vida’. Mas tudo deu certo”.

Começo da Bodega

“Naquele tempo uma viagem de Martins à Mossoró durava cerca de três dias”

“Nesse tempo a gente pegava um animal emprestado e ia dormir em Mineiro (Hoje Frutuoso Gomes). Esperávamos o trem que vinha de Souza, e de lá íamos pra Mossoró fazer as compras, era uma viagem que durava mais de um dia. Então em 1956 tinha um misto e pegava a gente em casa e íamos pra Mossoró, era três dias de viagem”, relembra.

Seu David ficou viúvo há alguns anos, é pai de 7 filhos e divide a administração da bodega com uma filha. “Quando me casei, em fevereiro de 1955, já fazia dois anos que eu negociava, e minha esposa era professora. Então pedi a ela desse “baixa” no serviço, porque ela ensinava longe de Martins, na Pintada. E ela entrou para o comércio comigo, afirma.

Seu David diz que não pode frequentar a Escola porque o trabalho era árduo, no campo. “Na época da desbulha de feijão meu pai disse que eu iria passar duas semanas sem ir à Escola, ou só fosse a noite, então não tive muita escolha se não abandonar os estudos”, lamenta Seu David.

Exemplo

“A lucidez e a sapiência de Seu David marcam a história de um grande homem, e um grande comerciante de Martins”.



Hoje a Bodega de Seu David é um dos comércios mais ‘sortido’ da cidade serrana de Martins e nos dá o exemplo que, apesar da crueldade dos tempos modernos, inovação não é revolucionar seu próprio tempo, mas se adaptar a qualquer época e ter coragem de se evoluir com ele.

Em pouco menos de uma hora em que a reportagem passou em seu comércio, testemunhamos grande movimento de chegada de mercadoria, trânsito de clientes para suas compras diárias, além de alguns que veem em busca de melar o ‘bico’ com cachaças feitas a base de laranja e outras frutas serranas. A lucidez e a sapiência de Seu Davi marca a história de um grande homem, e um grande comerciante de Martins.

















FONTE
A SERRA ONLINE |


Por Stenio Urbano



Colaboração – José Nilson 

Rádio MINHA VIDA FM
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