domingo, 22 de abril de 2012

ENTREVISTA COM FLÁVIO ROCHA, VICE-PRESIDENTE DO GRUPO GUARARAPES


 

"O ambiente no RN é hostil ao empresariado"

 

Imagem/Arquivo Blog "naserra"

  A Riachuelo, uma das maiores redes de varejo de moda do Brasil, vai muito bem, obrigado. A empresa pretende inaugurar 30 lojas este ano. Média que deverá se manter nos anos seguintes. A empresa, que é dona de quase 150 lojas e emprega mais de 40 mil trabalhadores no país, vive a maior expansão de sua história, afirma Flávio Rocha, presidente da Riachuelo e vice-presidente do grupo Guararapes. O executivo potiguar falará sobre o modelo vencedor adotado pelo grupo durante o Fórum Empresarial do Rio Grande do Norte, na próxima terça-feira. O evento será promovido pelo K&M Group, em parceria com a TRIBUNA DO NORTE, no Teatro Riachuelo. Em entrevista à TRIBUNA, Rocha antecipou novos investimentos dentro e fora do estado, como a ampliação do Midway Mall, a chegada de novas marcas - entre elas a Casas Bahia - e a construção de uma nova fábrica no Ceará. A indústria potiguar, observa Flávio, não tem conseguido acompanhar o crescimento do restante do grupo. Enquanto as vendas sobem, a produção própria cai. A fábrica do RN, onde tudo começou, chegou a dispensar sete mil empregados em menos de dois anos e deflagrar um processo de desaceleração difícil de ser revertido. Para Flávio, o ambiente no estado é hostil ao empresariado. "A Guararapes vai muito bem obrigado, agora o Rio Grande do Norte está jogando fora uma oportunidade".


Marcelo BarrosoFlávio Rocha, presidente da Riachuelo e vice presidente do grupo GuararapesFlávio Rocha, presidente da Riachuelo e vice presidente do grupo Guararapes

A Riachuelo espera abrir 30 lojas este ano. A meta está mantida?      Estamos no período de maior expansão da história da empresa. Nossa meta é abrir 30 lojas este ano, mas está havendo um problema. As construtoras não estão conseguindo entregar as obras. Isso nos preocupa. Como havia uma concentração muito grande de inaugurações em novembro, muitas estão sendo deixadas para o ano que vem. De nossa parte, a meta está mantida. Temos até mais contratos assinados. Acredito que vamos chegar muito perto desta marca, que é um recorde histórico. Lembrando também que no nosso caso a expansão é um processo muito mais complexo. Como a nossa cadeia é toda  integrada, temos que investir em toda a cadeia para abastecer as lojas, inclusive reforçando o braço financeiro.

Quais os planos para o Rio Grande do Norte?
       O call center é um investimento importante. Vai gerar muitos empregos. Estamos mais do que duplicando as posições.  É um investimento estratégico. Acredito que é o principal investimento para o estado este ano.


Pode dizer quanto está sendo investido na ampliação do call center?
      Algo em torno de R$ 30 a R$ 40 milhões.

Vem mais investimento por aí?
      Olha, o varejo de vestuário vai bem. Nosso modelo está mostrando sua superioridade. Mas existe um problema localizado na indústria têxtil de confecções. A razão é a escalada do custo Brasil. A loja aguenta o tranco do custo Brasil, mas a indústria enfrenta uma concorrência muito violenta e até desigual em alguns aspectos  da extremamente eficiente indústria têxtil chinesa. Nossa fábrica no RN foi duramente afetada com a escalada do custo Brasil. Tem registrado grandes perdas de produtividade. A consequência disso são as demissões. Nós já chegamos a ter na fábrica de Natal 17,8 mil funcionários. Hoje estamos com 10,8 mil. Em 1 ano e meio, perdemos sete mil funcionários, em decorrência do aumento dos custos de produção.

Esta dificuldade em manter a produção acaba se refletindo nas lojas ou tem dado para amenizar os efeitos?
      O que acontece é que várias linhas de produção são desativadas e isso atinge o coração do meu pai, que é aficcionado pela geração de emprego no estado. Quando a gente mostra que precisa desativar cada linha e procurar uma alternativa - como buscar novo fornecedor - ele sofre muito. Mas temos que nos curvar a realidade dos números. Infelizmente a empresa cresceu enormemente nestes últimos dois anos e a produção da fábrica não acompanhou. Não só não está acompanhando o crescimento da empresa, como também está perdendo espaço. Não há sensibilidade, no estado, para este problema. Existem pessoas que acham que estão fazendo bem para o trabalhador, mas estão fazendo um grande mal. Tirando a competitividade do setor. Isto é dramático. Há pessoas que pensam que estão prestando um serviço ao trabalhador potiguar, mas estão prestando um bom serviço ao trabalhador da China. Botaram para fora a Coteminas (que anunciou há alguns meses a desativação parcial de uma de suas unidades fabris no estado). E estão querendo colocar para fora a Guararapes. Para Guararapes e para a Riachuelo, na verdade, tanto faz produzir no RN ou produzir no Ceará. Hoje, por exemplo, nós só temos investimentos industriais no Ceará. No Rio Grande do Norte, paramos todos os investimentos. Estamos construindo uma outra fábrica no Ceará, que poderia muito bem estar no Rio Grande do Norte. Não é isso?


Vocês estão construindo uma outra fábrica no Ceará?     Estamos. A fábrica era para estar no Rio Grande do Norte, mas está no Ceará, porque o ambiente no Rio Grande do Norte é hostil ao empresariado.

Esta fábrica no Ceará já começou a ser construída?
     Está sendo construída, uma fábrica que emprega 2 mil pessoas. E vamos abrir outra. Estamos buscando outros estados. O Rio Grande do Norte é bem contrastante. Existe uma hostilidade, por parte dos reguladores,  que não existe em outros países. Somos empregadores em 25 estados brasileiros. Mas não existe tanta hostilidade a figura do empregador como existe no RN.

As duas fábricas são para o Ceará?
     A Riachuelo vai duplicar o número de lojas em dois anos. Ela precisa  se abastecer. Ela podia se abastecer no RN. Isso traria um impacto maravilhoso para o estado. A Riachuelo tem quase 150 lojas. Ela vai ter mil lojas no Brasil. Antes cada loja que a Riachuelo abria, com 100 funcionários, gerava 200 empregos em Natal. Isso mudou completamente.

Falando ainda desta nova fábrica no Ceará, o investimento é de quanto?
       Uns R$ 30 milhões. Mas isso não é o importante. O que move Nevaldo Rocha, presidente do grupo Guararapes, não é o lucro. O que o move é a geração de emprego no RN. Então, quando ele vê que vários postos de trabalho foram fechados ele fica muito triste. Para Guararapes, tanto faz. Isso não está diminuindo em nada o ritmo de crescimento da Riachuelo. A Riachuelo está de vento em popa. Não está produzindo no RN, mas está importando da China. Está ampliando presença no Ceará e vai construir fábricas no Centro Oeste. Seu Nevaldo fica triste com isso, mas nós como somos os gestores da empresa temos que ser racionais. Eu sou norte-rio-grandense e também sofro um pouco. A empresa está num momento maravilhoso. O RN está perdendo oportunidades. A Guararapes vai muito bem obrigado, agora o Rio Grande do Norte está jogando fora uma oportunidade.

O grupo queria expandir a produção no estado...
     É lógico, mas estamos sendo expulsos. E olha, não falta exemplos de empresas seríssimas que estão sendo expulsas do RN.

Diante de tanta dificuldade, quais as perspectivas para a companhia?
     Estou otimista. As perspectivas são boas. Nossa rede está crescendo. Se mantivermos este ritmo, aumentaremos nossa participação nesta imensidão que é o mercado brasileiro de vestuário. Estamos assistindo a ascensão de 50 milhões de pessoas, recém-chegadas no mundo do consumo. As pessoas estão descobrindo a moda.

Por falar em moda, a Riachuelo criou um novo formato de loja, a Riachuelo Mulher. Por que segmentar o público?      Apesar de nossa expansão replicar o modelo das lojas de departamento, pensamos nesta outra alternativa para locais onde há restrição de espaço. Há locais que não comportam uma loja de três andares.

A Riachuelo montou um escritório de compras na China. Qual a vantagem de estar no território do principal concorrente?     Sobrevivência. Vivemos num mundo onde a concorrência é acirrada. Estamos comprometidos com a produção local, mas o mundo econômico não aceita este tipo de postura. Precisávamos encontrar uma forma de sobreviver. Perdemos sete mil empregos em um ano e meio. Precisamos defender os outros 40 mil empregos.

Porque a indústria têxtil e de confecções no Brasil enfrenta tantas dificuldades, diferentemente da indústria chinesa?
     São várias coisas. Alta carga tributária, altas taxas de juros, encargos trabalhistas, alto custo de energia elétrica. A indústria tem um papel importante a desempenhar no Brasil. É necessário defender a competitividade da indústria brasileira. Não se trata de onerar o produto importado. Trata-se de desonerar o que é produzido no Brasil. O empregador tem que ser bem tratado. Mas não é isso que está acontecendo. Há uma espécie de rancor ideológico que faz do país um lugar hostil a quem emprega. Ao invés de receber o empregador de braços abertos, recebem o empregador com animosidade. Não só animosidade, mas rancor.

A desoneração da folha de pagamento dos segmentos têxtil e de confecções dará um fôlego extra para as fábricas?
     É muito pequena esta desoneração. Isso é substituído por algumas outras medidas que oneram a produção e tiram a competitividade das unidades. No RN, o problema é mais sério. Não notamos isso em outros estados da Federação. É uma pena. A raiz de nossa empresa está no Rio Grande do Norte. O crescimento da Riachuelo poderia gerar um efeito espetacular do RN mais ou menos como ocorreu com a Zara na Galiza, Espanha. A Galiza era uma região muito pobre. Sempre que a Zara criava 100 empregos numa loja abria 200 novas vagas na fábrica na Galiza. Isso gerou uma revolução social na Espanha. O RN abriga a raiz de nossa planta. Nossa fábrica em Natal poderia empregar 20 mil pessoas (quase o dobro do que emprega), mas não está. 


A Coteminas, uma das maiores companhias do segmento têxtil e de vestuário, anunciou a desativação de parte de sua fábrica no RN e a construção de um complexo residencial e comercial no local. A Guararapes, assim como a Coteminas, pensa em diversificar a sua atuação e apostar em setores sem relação direta com o segmento têxtil e de confecção?
     Não. Estamos absolutamente focados no nosso negócio. Existem muitas lojas para inaugurar e muitos investimentos para serem feitos. O mercado brasileiro consome 9 bilhões de peças de roupas por ano. A Riachuelo vendeu no ano passado 120 milhões.


Sua resposta me fez lembrar algo que li no Valor Econômico. Túlio Queiroz, diretor financeiro e de relações com os investidores da Guararapes, estimava um potencial de mais 400 lojas Riachuelo no Brasil. Inaugurar estas 400 lojas está nos planos do grupo?     Olha, o potencial é muito maior do que isso. A Riachuelo tem 1% de participação no mercado. Acredito que podemos alcançar 10% de participação no mercado. Há muito espaço para crescer. Lá fora, os líderes de mercado tem 10 ou 20%. Às vezes, 30% de participação do mercado. Nosso esforço, mais especificamente o esforço de seu Nevaldo (fundador do grupo Guararapes), é tirar proveito da descoberta da moda para gerar um impacto positivo na economia do Rio Grande do Norte.


Como o grupo poderia aumentar o impacto positivo no estado? Abrindo mais lojas?
     Não. O modelo da Riachuelo está voltado para cidades de mais de 200 mil habitantes. Acho que tem até espaço para mais alguma loja em Natal ou Mossoró.

Estaria ou não nos planos da Guararapes abrir mais lojas no estado?
     Não. Eu acho que o impacto positivo que a Riachuelo que pode gerar no estado é na produção. É isso que pode impactar fortemente a economia do estado. Não é aumentar o numero de lojas, mas estimular a produção, enraizada no RN. A ideia inicial era a partir do RN abastecer o resto do Brasil, como a Zara na Galiza. Isso sim que é impactante. Não abrir uma loja em Caicó ou em Pau dos Ferros. Não é isso. O potencial da Riachuelo em mudar a economia do estado não é abrir uma lojinha aqui ou ali. É fazer do RN a fonte de suprimento de um mercado pujante. Não seriam  meia dúzia de lojas que mudariam a economia do estado.

Mas vai dar para fazer isso no estado, levando em consideração todos aqueles problemas que você elencou?
     Não. Não dá para fazer isso no estado, porque a competitividade aí está caindo absurdamente.

Mas não daria para reverter este cenário?
     A gente vê no primeiro escalão - governadora e secretariado - uma grande acolhida ao investimento, mas ao mesmo tempo vê uma hostilidade surpreendente na convivência cotidiana com o estado.

"Não imagine que o midway mall já esgotou sua  capacidade de expansão"

Então, infelizmente, não vai dar para transformar o RN neste grande centro de produção e distribuição, como o grupo desejava?
     A atividade no estado está declinando fortemente. Para você ter uma ideia, há dois anos, o Rio Grande do Norte produzia 90% do que a Riachuelo distribuía. Hoje, não mais. A Riachuelo cresceu uns 50% nestes dois anos e a produção na fábrica caiu significativamente, quando deveria, pelo menos, ter acompanhado o crescimento da rede.

O grupo não se resume, entretanto, a fábrica e as lojas. Há o Midway Mall. Vocês planejam novos investimentos no shopping? O Natal Shopping, por exemplo, passa por uma grande reforma.
     O Midway tem um grande potencial de expansão. O Midway não está saturado. Temos projetos lá que abrem a possibilidade do Midway  aumentar até 30% de sua Área Bruta locável, a curto prazo. É só haver demanda. Estamos abrindo agora 3 mil metros, com a chegada das Casas Bahia, a Le Biscuit e o Mc Donalds.

Construindo novos pavimentos?     Ocupando o estacionamento e crescendo o estacionamento para cima. A estrutura do shopping já prevê isso. A proposta é eliminar lajes intermediárias do estacionamento. Não imagine que Midway já esgotou sua capacidade de expansão. Pelo contrário. Há possibilidade de crescimento vertical.


A ampliação do shopping em três mil metros com a chegada das Casas Bahia, Mc Donalds, Le Biscuit é um projeto que está em stand by?     É um projeto que já está definido e vai ser executado até o final do ano.

O segmento dos shoppings no RN está bem acirrado, não?     É. O Midway tem 60 mil metros quadrados de Área Bruta Locável, mas pode chegar a 100 mil metros a curto prazo, no mesmo espaço que ocupa hoje.


Vocês tem várias cartas na manga.. 
     Pois é.

Voltando a falar da expansão, vocês já sabem quanto custaria?
     Não sei quanto custaria. Seria um investimento auto-financiável, porque a demanda neste mercado é infinita.


Indústria têxtil enfrenta dificuldades, mas você me disse que perspectivas eram positivas para o segmento de vestuário. A Guararapes, na sua avaliação, consegue fechar o ano com incremento nas vendas?
     Sem dúvida. O único segmento da empresa que está declinando é a atividade industrial do RN.

Dá para arriscar um percentual de crescimento ou ainda é cedo para fazer este tipo de projeção?
     Não dá para arriscar um percentual de crescimento.

Você vai participar de um Fórum Empresarial na terça-feira. Sei que a trajetória da Guararapes é extensa e muito rica. Daria, entretanto, para resumir a fórmula do sucesso? Como vocês conseguiram transformar uma fábrica numa das maiores redes de varejo de moda do Brasil?
     Eu acho que o sucesso da empresa é replicar a visão empresarial de uma pessoa realmente iluminada, que é seu Nevaldo Rocha. Acho que é isso. Não fizemos outra coisa a não ser tentar reproduzir todos os ensinamentos do seu Nevaldo, que do alto de de seus 83 anos de idade, continua sendo nosso grande farol.

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