domingo, 6 de maio de 2012

O QUE PODE CAUSAR O CÂNCER


O câncer por trás do trabalho

Instituto lista 19 tipos da doença associados a ocupações profissionais. A cada ano, surgem pelo menos 20 mil casos ligados a más condições de atividade profissional
Renata Mariz

Cigarro, álcool e sedentarismo não encerram a lista de produtos ou hábitos nocivos à saúde. Determinadas profissões também podem ser um fator de risco para o surgimento do câncer. O alerta foi dado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). A entidade divulgou um levantamento relacionando 19 tipos de tumores malignos às respectivas ocupações de risco (veja arte). Na estimativa mais conservadora, dos cerca de 500 mil novos casos da doença diagnosticados no Brasil anualmente, pelo menos 20 mil têm relação direta com o trabalho exercido pelo paciente. Substâncias tóxicas que se acumulam no organismo por meio da respiração, do contato com a pele ou via oral são o principal problema.

De cabeleireiros que lidam com compostos tóxicos presentes em tinturas a pilotos de avião expostos a campos eletromagnéticos, há dezenas de ocupações de risco. A coordenadora da área de câncer ocupacional do Inca, Ubirani Otero, explica que a exposição de determinadas categorias de trabalhadores a substâncias cancerígenas é apenas um dos fatores que podem desencandear o aparecimento de um tumor. "Há outras causas que atuam juntas, como a alimentação ruim e o fumo. Mas o que estudos no mundo inteiro já mostraram, e alguns poucos feitos no Brasil, é que há um risco mais considerável entre esses profissionais", afirma a médica.

Com o alerta, o Inca pretende estimular que pacientes e médicos incluam a questão ocupacional nas entrevistas e registros de diagnósticos. "Nossa análise epidemiológica vai melhorar muito se a ocupação começar a ser considerada, como muitos países já fazem", afirma Ubirani. Segundo a especialista, o Brasil ainda engatinha nos estudos de campo com grupos específicos. "Temos pesquisas com mineradores, pessoas da indústria, de siderúrgicas. Mas tudo muito incipiente, por enquanto", diz a médica. Com algumas exceções, as ocupações listadas pelo estudo são exercidas por pessoas simples e menos instruídas.

Para Mário César Ferreira, do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília(UnB), os riscos a que estão expostos os trabalhadores brasileiros, nos mais diferentes ambientes, são um grande ponto de interrogação. "Há vários fatores para explicar essa lacuna nos nossos estudos, mas eu diria que, primeiro, o Brasil é um país jovem, onde a tradição escravocrata não está assim tão distante. Um segundo ponto é que o trabalho sempre foi visto mais sob a ótica da economia e da rentabilidade e menos do bem-estar e da felicidade" diz o professor. "Na iniciativa privada, a cultura é mais perversa ainda, no que diz respeito à relação entre trabalho e saúde, porque qualquer queixa pode significar estar no olho da rua.



Diagnóstico precário

A invisibilidade do câncer relacionado ao trabalho no Brasil pode ser avaliada pela irrisória participação de 749 casos de neoplasia relacionada ao trabalho (0,23%) dentre os auxílios-doença acidentários concedidos pela Previdência Social em 2009. Desses, 683 foram de tumores malignos, ou seja, câncer. Entre os 113.801 casos de auxílios doença por câncer (previdenciário e acidentário) concedidos no mesmo período, a doença só apareceu relacionada ao trabalho em 0,66% dos casos em países que possuem políticas públicas voltadas para o câncer associado ao trabalho, como a Espanha e a Itália, as estimativas identificam que, entre todos os casos da doença, de 4% a 6% podem ser atribuídos à exposição ocupacional.


Cancerígenos
 
Na lista de agentes cancerígenos apontados pelo estudo do Inca, até o Sol pode ser um vilão. Ele aparece como um contribuinte importante no apare-cimento do melanoma entre carteiros, pescadores e pedreiros, por exemplo. Mas a maior parte das substâncias mencionadas, entretanto, são os compostos químicos tóxicos e, muitas vezes, invisíveis. "O trabalhador que aspira o amianto, usado na construção civil, é um exemplo clássico de intoxicação.

Outro caso, com a contaminação ocorrendo por via cutânea, é o frentista do posto de gasolina, que fica em contato com benzeno", enumera Ubirani. Como forma de prevenir, a médica propõe substituição de agentes cancerígenos por outros menos prejudiciais.

"São questões que ultrapassam a capacidade do trabalhador." Brenno Amaro da Silveira Neto, professor do Instituto de Química da UnB, destaca, porém, que essa substituição demanda tempo e investimento em pesquisa. "Você pode ter uma substância menos tóxica, mas que não funciona tão bem. Sem contar que a retirada de um componente considerado tóxico não garante que o produto ficou menos perigoso. A título de exemplo, podemos falar das tintas em base aquosa, que são vendidas como ecológicas, embora precisem de muito mais estabilizantes para funcionarem bem", diz o professor.

A quantidade é outro ponto que Brenno destaca. "Não significa que basta ser tóxico para fazer mal. A concentração daquela substância muda muito os efeitos provocados. A morfina, em doses pequenas, é um analgésico, em alta concentração é um depressor do sistema respiratório podendo levar à morte", explica. O que o professor de química sugere como forma de evitar doenças é que os trabalhadores manuseiem os produtos de forma adequada. "É preciso administrá-los usando luvas, máscaras", diz. Com isso, destaca Brenno, o profissional pode minimizar a ação cumulativa dos compostos no organismo.

Ubirani, do Inca, ressalta como um dos piores compostos presentes no ambiente de trabalho de muitos operários, o amianto, material usado para fazer telhas, caixas de água e outros itens, principalmente na construção civil. "Esta é uma luta nossa para que o Brasil proíba, da mesma forma que fizeram dezenas de nações no mundo, muitas inclusive vizinhas, como Argentina, Chile e Uruguai", afirma a médica especialista em câncer ocupacional. Ela ressalta que até a água contaminada, em situações de trabalho muito degradantes, pode elevar o risco de câncer do profissional.


Fonte:   DiáriodeNatal
Renata Mariz

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