Cenários desoladores abatem o homem do campo
900 quilômetros percorridos, do Agreste potiguar ao Médio Oeste; entrando e saindo de fazendas e povoados; atravessando riachos secos; margeando barreiros que minguam a cada dia; conhecendo agricultores sem roçados e pecuaristas sem rebanhos; ouvindo histórias de velhos sertanejos com a memória cheia de sol; encontrando jovens desdenhosos da terra e herdeiros das ajudas oficiais do governo; homens a quem a esperança parece ter enraizado no chão e a experiência ensinou a conviver com a falta de chuvas no semiárido potiguar.
Júnior SantosPelos caminhos da seca
Foram essas as paisagens e personagens que, ao sairmos de Natal no último domingo (13), passamos a encontrar por todos os caminhos que eu, o fotógrafo Júnior Santos e o motorista Duda, percorremos para atender ao desafio lançado pelos editores da TRIBUNA DO NORTE: mostrar em uma série de reportagens o que a seca deste ano - um ano que começou com as melhores promessas e previsões de um inverno acima do normal - tem de tão assustadora e grande, para estar sendo considerada a pior das últimas três décadas.
O ponto inicial da jornada foi a feira do município de São Paulo do Potengi. No domingo, cedinho, estávamos no local da venda de milho e do feijão verde, produtos, ora bem disputados, ora rejeitados pelo alto preço que têm nessa época. Nas férias do interior, além de pechinchar os preços, o que mais clientes e feirantes fazem é falar sobre a falta de chuvas, o fim dos roçados, a morte das criações, as dificuldades de todos e as tentativas de cada um - do pequeno ao grande - para escapar ao desastre da estiagem. Também falam bastante do que deveria ter sido e não foi feito pelo Governo. Representantes da Igreja, dos sindicatos rurais, do poder público e, principalmente, o homem do campo - todos que ouvimos - são unanimes que a seca "já não deveria causar tantos estragos nem surpreender ninguém".
E porque ainda surpreende? Pergunta simples, mas a resposta não é tão fácil nem única. Imprevidência administrativa, falta de vontade política, recursos escaços, ausência de projetos, questões culturais.. são muitos os fatores que parecem concorrem para o fato de, cinco séculos após o início da colonização e muitas mudanças socioeconômicas depois no Nordeste brasileiro, a seca continuar a sendo "um inimigo" nunca vencido e não "um vizinho indesejável, mas de convivência possível".
A seca colocou 139 municípios potiguares em emergência reconhecida, produz miséria e desolação. Por todos os cantos, o que se encontra é um homem calejado, tolhido, dia a dia, por uma luta árdua para garantir a sua sobrevivência, de sua família e de seus animais. Uma luta que a seca não dá trégua e que já habituou o sertanejo, embora muitos afirmem que a estiagem, este ano, foi uma surpresa. Assim, o sertanejo vai escapando e 'vivendo como Deus quer, sempre olhando adiante, para o futuro", resumiu o agricultor Manoel Cassiano, 74 anos, morador na zona rural de São Rafael. Maria das Graças Dantas Perreira, sertaneja residente na Fazenda Curral Velho, em Jucurutu, é igualmente filosófica diante do desastre: "a vida tem flores e espinhos, e a gente tem que viver as duas situações, senão o que seria a vida?".
Atravessamos o Estado sem muitos problemas. O dia começava cedo, por volta das 6h e terminava já no cair da tarde. Por vezes, como em Santana do Matos, quase noite. As dificuldades de apuração foram maiores nas zonas rurais, onde a estiagem provocou êxodo e é preciso percorrer, por vezes, quilômetros para encontrar casas habitadas. Demos sorte em alguns momentos, em outros não.
Na quarta-feira, 16, em uma das estradas carroçáveis da zona rural de Lajes, um dos pneus de nosso veículo furou. Foram mais de duas horas perdidas em busca de um borracheiro que fizesse o conserto, que nos permitiria com segurança retomar a estrada, na direção de Santana do Matos.
Enfim, às 14 horas seguimos adiante. Seriam mais três dias de viagem pelo sertão, indo até São Rafael, e retornando pelas principais cidades do Seridó. Na primeira cidade seridoense, Jucurutu, mais um incidente. Num dos apiários que fomos conhecer uma das abelhas das colméias cultivadas por seu Francisco Canindé, atacou o tornozelo do nosso repórter fotográfico. Nada grave. Apenas "ossos do ofício".
A verdade é que fomos tomados por essa experiência. Vamos tentar transmiti-la, em detalhes, para vocês a partir de terça-feira (22) e até o próximo domingo (27), em seis reportagens diárias.
Ora por rodovias federais e estaduais, ora por estradas de barro nossa equipe se deparou com cenários desoladores. A série de reportagens mostra bem a batalha que se trava no sertão por água e por alimento para os animais; a dependência dos programas sociais, a espera pela ajuda emergencial. A final do percurso, duas cenas foram marcantes: o 'cemitério' de animais em fazendas do município de São Tomé e o abandono da zona rural, onde o fenômeno do êxodo rural está de volta.
Em vinte e dois anos de profissão já fiz muitas coberturas no sertão potiguar. Já tinha visto a terra seca, açudes esturricados, gado magro, sertanejo lutando para tirar da lida seu sustento. Mas em secas passadas era possível movimentar o gado de uma área para outra, onde o pasto ainda brotava. Agora, encontrei uma estiagem que se espalha uniforme, na mesma proporção por todas as áreas do Estado, sem poupar serras, vazantes dos rios ou a circunvizinhança dos reservatórios d´agua.
"Nós não esperávamos uma seca como essa"
A Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn) reconhece o erro na previsão de chuvas para 2012. O meteorologista Gilmar Bristot afirmou, em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, que já existe uma linha de explicação acerca dos motivos desse erro e ela está centrada no sol. Bristot explica que há uma correlação entre as manchas solares e a chuva no Nordeste. Essa correlação não está devidamente explicada e nem é aceita pela Sociedade Brasileira de Meteorologia, mas nos últimos 10 picos de manchas solares foram registrados períodos de seca no Nordeste. Em 1919, por exemplo, a situação foi bem parecida com 2012.
"Teve março seco, abril muito seco, início de maio seco. Então são 75 dias de seca, fora o período de fevereiro. Quase 80 dias de seca, sem chuvas consideráveis. Essa é uma situação histórica", explica o meteorologista. E complementa: "Eu assumo que aqui no Estado quem errou foi a Emparn. A gente assume isso. Porque nós conseguimos ganhar um espaço junto aos agricultores, fizemos um trabalho importante. Conseguimos colocar a meteorologia na cabeça do produtor em todo o interior do Estado. E quando a Emparn divulga um previsão, eles acreditam nessa previsão".
Em entrevista, Gilmar Bristot falou também sobre a influência das manchas solares no clima, a questão do vento, a perspectiva para 2013 e a situação dos produtores e criadores de gado do Estado. Embora o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais tenha declarado que há chance de seca no próximo ano, Bristot afirma que ainda não é possível ter certeza.
Existem variáveis que apontam para um ano seco já em 2013?
Tem algumas variáveis, inclusive uma delas que é a mancha solar. Toda vez que você tem acúmulos de manchas solares, você tem apontado aí um ano seco. Em 1919, há uma situação parecida com essa. Foi um ano muito seco, muito parecido com esse de 2012. Então a projeção da Nasa é de que nós tenhamos ainda o período de maior acúmulo de manchas solar acontecendo em 2013. Depois começa a descer.
Então quando há um pico de manchas solar, há também um ano de seca?
Sim, temos. Há uma situação parecida em 2001 também. Todas as condições do oceano atlântico apontaram para um ano normal, melhor do que esse ano e nós tivemos um ano seco. E esse ano também, mesmo com aquela irregularidade da chuva que não estávamos prevendo, nós não esperávamos uma seca como essa. Teve março seco, abril muito seco, início de maio seco. Então são 75 dias de seca, fora o período de fevereiro. Quase 80 dias de seca, sem chuvas consideráveis. Essa é uma situação histórica.
A questão do vento é importante?
Predominou neste ano no litoral do Nordeste, vento acima do normal. O vento forte, mesmo com condições favoráveis de umidade, temperatura, e estabilidade das zonas de convergência, influencia. Se você não tem uma condição de calmaria, você não tem chuva. É o mesmo processo do pão: você bota fermento, bota farinha, bota todos os ingredientes, mas se você não deixar a massa parada lá pra ela crescer depois de mexer, ela não vai crescer.
Essa questão das manchas é algo reconhecido pela meteorologia?
Existe uma correlação muito boa, explicitada nos últimos 10 ciclos.
Mas há uma explicação científica?
Ainda não dá pra dizer o que as manchas solares desencadeiam, qual o processo que desencadeiam para diminuir a chuva no Nordeste, mas existe uma relação. É preciso investigar isso. Esse dado podia ter sido usado esse ano. Eu não nego. Mas a gente não estava acreditando tanto nessa influencia. Agora, nós não sabemos dimensionar quanto é a influência. Então tem muita coisa a ser pesquisada. Pela boa correlação, eu diria que é uma ferramenta que tem futuro, mas é preciso engajamento de várias pessoas, porque uma opinião de só uma pessoa pode estar enganada. O que a gente pode colocar é que existe uma correlação e é preciso ter mais cuidado. Isso é um alerta. Se nós tivéssemos que colocar o ano de 2012 dentro dessa situação, observando que a curva de mancha solar estava subindo, nós poderíamos dizer com mais certeza que o ano seria mais regular do que o normal. Nós meio que negligenciamos, mas isso acontece e se nós colocarmos isso na grande discussão com a sociedade brasileira de Meteorologia, não vai ser aceito. Eles não aceitam isso.
Se em 2013 é o máximo da mancha, será mais seco que 2012?
Teoricamente. Mas dentro de um ciclo, você tem algumas situações. Eu acredito que como nós passamos uma seca severa agora, não há um repeteco da situação, porque é muita energia gasta. Quando você tem muita chuva, gasta-se muita energia pra se fazer aquela chuva, e com a seca também, gasta-se muita energia.
É histórica a situação em 2012? Por quê?
É histórico porque no mês de abril, por exemplo, no município de Caicó não choveu um milímetro sequer. Situação parecida ou igual, nós tivemos em 1919. Há 90 anos. Então se colocarmos 1919 com precipitação zero e 2012 com precipitação zero, é histórico para o monitoramento em Caicó. É um exemplo, mas há outras cidades
Como é que está a situação com os produtores?
Os agricultores não tiveram prejuízo. Não tiveram prejuízo porque não plantaram. Não tiveram prejuízo, nem lucro. O Governo distribuía as sementes nos bancos de sementes, mas esse bancos não distribuíram as sementes para os agricultores porque em nenhum momento teve condições de chuva, de umidade do solo, para o início do plantio. Os problema maior é com os criadores. A previsão de chuva normal com grande regularidade, se tivesse acontecido, queira ou não iria manter a formação de pastagem, mesmo que de forma reduzida. Mas da forma que aconteceu não. Nem pastagem para o gado e nem armazenamento de água se formou. Existe aí uma situação que se implantou: não houve a produção de recursos naturais. E digo: se não tiver ajuda do Governo, o rebanho do Estado vai sofrer uma grande queda.
O que aconteceu com a previsão de 2012?
Eu assumo que aqui no Estado quem errou foi a Emparn. A gente assume isso. Porque nós conseguimos ganhar um espaço junto aos agricultores, fizemos um trabalho importante. Conseguimos colocar a meteorologia na cabeça do produtor em todo o interior do Estado. E quando a Emparn divulga um previsão, eles acreditam nessa previsão.
Mas veja como a coisa é ingrata. A gente passou 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011 acertando previsão. A gente acertou até a previsão da quantidade de chuva que ia cair, mas aí comete o deslize, por negligência, de não ter olhado as manchas solares. Nada é perfeito. A gente leva patada. Mas é aquela coisa, o que vale é o último: não adianta você acertar tudo e no quesito mais importante você errar. Você vai ser penalizado por aquele erro.
Fonte: Tribuna do Norte
Margareth Grilo
repórter especial
Júnior Santos
repórter fotográfico
Nenhum comentário:
Postar um comentário