O Brasil completa neste verão 30 anos de epidemias sucessivas de dengue. Desde 1986, o número de municípios com casos da doença saltou de 258 para 4.265 –70% do total–, segundo dados divulgados em 2015.
No ano passado, o país viveu a maior das epidemias, com 1,6 milhão de casos e 863 mortes. Além da dengue, o mosquito Aedes aegypti tem causado também surtos de zika e chikungunya. O zika está associado a casos de lesões cerebrais e microcefalia.
Quais os fatores que levaram a essa emergência em saúde pública? Para 15 especialistas ouvidos pela Folha, a questão central é a falta de saneamento básico, traduzida em esgoto a céu aberto, lixo nas ruas e armazenamento incorreto da água.
No último LIRAa (índice de infestação de Aedes) nacional, divulgado em novembro, o retrato é claro: no Nordeste, 82,5% dos focos do mosquito estão em depósitos de água para consumo. Só no Sudeste é que a maior parte (52%) está dentro de casa.
"O Aedes é a síntese da miséria social brasileira", afirma o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão. Para ele, o enfrentamento exige ações integradas permanentes.
Só 58% dos domicílios brasileiros têm coleta de esgoto –85% têm rede de água, mas não há dados de quantos sofrem com desabastecimento.
"Antes, o Aedes só se reproduzia em água limpa, agora não mais. Está no esgoto, no lixo", diz o infectologista Marcos Boulos, coordenador de Controle de Doenças da Secretaria da Saúde de São Paulo.
Segundo André Monteiro, engenheiro de saúde pública e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), as ações antidengue sempre estiveram focadas no combate ao mosquito, e não nas condições socioambientais. "Com um quadro sanitário tão grave, não há mais veneno que controle o Aedes."
José Nascimento/Folhapress
Agentes, em 1986, ruas do bairro Jardim Nova Cumbica,
em Guarulhos, para combater o Aedes
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OUTROS FATORES
Antônio Carlos Mafalda/Folhapress
Outro erro apontado pelos especialistas é o modelo de combate ao mosquito, focado no uso de larvicidas e inseticidas. Estudos mostram que, cada vez mais, o Aedes se torna resistente a esses produtos químicos.
"Apesar de todos os indicadores de ineficácia, o ministério continua com a mesma abordagem. Isso só tem feito aumentar a resistência do mosquito e envenenar os mais pobres [com o uso de larvicida na água potável]", afirma a sanitarista Lia Giraldo Augusto, professora da UPE (Universidade de Pernambuco).
A médica integra grupo da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) que prepara uma nota técnica pedindo a suspensão do uso de produtos químicos no controle do Aedes e sua substituição por barreiras mecânicas.
O virologista Gubio Soares, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), também defende que o país invista mais no controle biológico. "A ideia do mosquito transgênico é boa, mas não podemos esquecer de que há outros vetores, como o Aedes albopictus."
O Ministério da Saúde afirma que os inseticidas e larvicidas químicos são seguros.
Campanhas educativas desarticuladas com a realidade local também são tidas como ineficazes pelos especialistas.
Por lei, cabe aos municípios organizar a prevenção e tratar dos infectados, com ajuda dos governos estaduais. A União dá diretrizes e repassa verbas. Há críticas sobre a ação de todos os entes federativos.
"Os governos foram complacentes com o Aedes. Deu no que deu", diz o infectologista Vicente Amato Neto, do Instituto de Medicina Tropical da USP.
O número de mortes por dengue reflete a desorganização dos serviços e a falta de capacitação dos médicos.
"Nada justifica uma pessoa passar pela emergência cinco vezes, não ter o diagnóstico e tratamento corretos e morrer de dengue. A maior parte das mortes é evitável", diz Boulos.
Rapaz monta cartaz da campanha contra o mosquito
Aedes aegypti, em maio de 1986, em São Paulo
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AÇÕES DO GOVERNO
Em nota, o Ministério da Saúde diz que há ações em andamento para enfrentar a proliferação sem controle do mosquito Aedes aegypti e epidemias de dengue, zika e chikungunya.
Sobre a falta de saneamento, o ministério informa que o governo federal aprovou, em 2013, um plano que fixou metas para universalizar os serviços de água tratada e saneamento básico no Brasil.
"Considerando apenas a carteira de investimentos do Ministério das Cidades, são mais de R$ 80 bilhões em quase 3.000 empreendimentos em todas as regiões", diz a pasta.
No entanto, estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) indica que a universalização de serviços só será alcançada, no atual ritmo, após 2050, mais de 20 anos depois do prazo oficial.
Em relação ao uso de inseticida e larvicidas, o ministério afirma que é do seu conhecimento que o uso regular de inseticidas desencadeia o processo de resistência e, por isso, instituiu um sistema de monitoramento.
"Isso permitiu avaliar e promover a troca de princípios de inseticidas por outros. Foi trocado em todo país o uso do temefós, que era usado há mais de 30 anos pelos novos larvicidas autorizados pela Organização Mundial da Saúde, os IGR (reguladores de crescimento de insetos), e a substituição dos piretroides por organofosforado (malathion) nas ações de controle espacial", afirma a pasta da Saúde.
O ministério também diz que o uso do inseticida só se justifica nas "situações em que não é possível a adoção de práticas mais sustentáveis e definitivas".
CAMPANHAS
Sobre as campanhas educativas, o ministério diz que elas são planejadas levando em conta a região, o público-alvo e os dados sobre locais de infestação do mosquito.
Em relação às críticas sobre a falta de articulação no enfrentamento da dengue e outras viroses, o ministério informa que foi criado um plano nacional que estabelece políticas articuladas, com o envolvimento de 18 ministérios, agências regulatórias, Estados e municípios.
POR
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
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