O que pensa e como atua o contraditório movimento dos sem-teto, o grupo que se declara inimigo do Estado, mas é financiado por ele e, se a verba é suspensa, resolve radicalizar invadindo até a sede da Presidência
ARRUAÇA Na tarde de quarta-feira 1º,
integrantes do MTST ocuparam o escritório da
Presidência da República em São Paulo
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Na cartilha que serve como uma espécie de estatuto, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) intitula-se anarquista. Rejeita o Estado. E rechaça convênios com o poder público. Porque, seja qual for o governo, a sua finalidade, segundo o MTST, será “beneficiar um pequeno grupo de gente muito rica, que é a classe capitalista”. Nada mais contraditório com a prática dos sem-teto. Com a presidente afastada Dilma Rousseff, eles mantinham uma relação bem azeitada, regada a dinheiro público e com direito a participar de eventos dentro do Palácio do Planalto. Agora que a petista está fora do Planalto, mesmo que não de forma definitiva ainda, o grupo estabeleceu como missão infernizar a vida do interino Michel Temer. Na quarta-feira 1º de junho, um punhado deles invadiu o escritório da Presidência da República em São Paulo na Avenida Paulista. Houve confronto com a Polícia Militar, que atirou bombas nos manifestantes. Até, então, o ato era contra o governo Temer. Mas somente durante a ocupação, lideranças do movimento admitiram também que a ação significava um protesto contra o corte temporário em um programa social criado pelo PT, o Minha Casa Minha Vida Entidades, que já irrigou o MTST com mais de R$ 15 milhões. O coordenador do movimento, Guilherme Boulos, declarou à imprensa que a ocupação não tem prazo para ser encerrada. Ou melhor, tem sim, quando o dinheiro voltar a fluir. “Ocupamos o escritório da Presidência da República, o prédio, por tempo indeterminado até que o governo recue nesse corte irresponsável”, afirmou o agitador. Dias antes, em 22 de maio, uma ala mais radical do movimento acampou por algumas horas para protestar em uma praça próxima à casa em que Temer mora aos finais de semana com a família, em São Paulo. Na ocasião, Boulos declarou “A rua do Sr. Michel Temer está sitiada pelo povo brasileiro. Daqui a gente não arreda pé”.
Na ideologia dos fundadores do MTST, as ocupações promovidas são meros instrumentos para reforçar o que chamam de poder paralelo. É nos acampamentos que os coordenadores aliciam pessoas a integrarem seus quadros que vão “enfrentar o sistema”, do qual, ironicamente, eles fazem parte. Senão vejamos: desde quando foi lançado, o programa Minha Casa Minha Vida Entidades repassou a movimentos sociais mais de R$ 1 bilhão para construir 60,1 mil moradias. A modalidade do programa social representa 1,5% do programa. De 2009 para cá, somente o MTST recebeu a promessa de embolsar R$ 32 milhões para construir 594 casas e apartamentos. Até agora já haviam sido repassados pelos petistas R$ 15 milhões e a nova gestão ainda não conseguiu descobrir de fato quantas moradias foram entregues. Assim – bancando com dinheiro público umas das principais causas dos movimentos sociais, que é a conquista de terra ou terreno para morar – que Dilma vinha conseguindo o apoio de uma ala mais radical e barulhenta da sociedade ao seu governo. O último mimo da petista aos companheiros da luta por moradia foi concedido no apagar das luzes. Nos derradeiros dias de seu mandato – antes do afastamento, em 12 de maio – Dilma editou portaria que autorizava a Caixa Econômica a contratar entidades privadas sem fins lucrativos que exerceriam o papel de administradoras de empreendimentos que visam à construção de 11.250 moradias populares. Algumas ligadas a movimentos sociais, como o MTST.
Os critérios usados pela coordenação do movimento para montar a lista de beneficiários de programas habitacionais – como o Minha Casa Minha Vida – financiados com recursos da União são alinhados com o radicalismo da cartilha do movimento social. O comando chegou a instituir uma espécie de tabela de pontos para os integrantes conseguirem se cadastrar. Quem tivesse a melhor pontuação alcançaria as primeiras posições. A contagem é baseada em tarefas. Cada atividade tem um peso. A principal delas é a participação em atos e protesto organizados pela entidade social. O militante que faltasse a cinco eventos seria banido da lista e iria para repescagem. O procurador da República José Roberto Pimenta Oliveira chegou abrir uma investigação sobre o caso e recomendou a anulação do uso de critérios adicionais para escolher quem participa do programa.
Assim que assumiu a pasta, ao se deparar com o programa Minha Casa Minha Vida Entidades, o atual ministro das Cidades, Bruno Araújo, resolveu suspender provisoriamente o programa para poder avaliar sua efetividade e a realização de um pente-fino nos contratos firmados. O ministro Bruno Araújo, por meio de sua assessoria, explicou que a revogação ocorreu para que o titular da pasta pudesse entender quais foram os critérios utilizados para a seleção das entidades escolhidas para gerir as obras, tanto no aspecto da execução de projetos de arquitetura quanto na contratação de empreiteiras. Mas, nos bastidores, sabe-se que a real intenção de Araújo é liberar as amarras ideológicas e a burocracia que emperram a execução das obras. A partir daí, os protestos desses beneficiários estouraram.
Temendo o excesso de desordem e o impacto na opinião pública, o governo Temer recuou. O Ministério das Cidades divulgou uma nota explicando que vai editar outra portaria que mantém as mesmas entidades da decisão anterior, mas propõe melhorias nos critérios de seleção. A portaria deve ser publicada até sexta-feira 10. Quem sabe, a partir de então, bem nutridos com dinheiro estatal os anarquistas fiquem mais dóceis.
POR
Ary Filgueira
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