Usado para prevenir a tuberculose, o remédio surge como opção promissora para tratar o tipo 1 da doença, justamente o que obriga os pacientes a tomarem insulina todo dia
Um remédio criado há 97 anos pode se transformar na cura de uma doença que hoje representa para a medicina um de seus maiores desafios. Em trabalho exemplar, pesquisadores do Massachusetts General Hospital, nos Estados Unidos, estão testando com sucesso o uso da vacina BCG, contra a tuberculose, para tratar a diabetes tipo 1. Na primeira fase dos estudos clínicos, os pacientes submetidos à terapia apresentaram melhora tão considerável que a Food and Drug Administration (FDA), a agência americana responsável pela liberação de drogas e tratamentos, acaba de aprovar a continuidade da pesquisa, desta vez com número maior de participantes.
Existem dois tipos de diabetes. A do tipo 1 é uma doença auto-imune, desencadeada porque o sistema de defesa ataca as próprias células do corpo. No caso da enfermidade, as células destruídas pelo exército imunológico são as beta, localizadas no pâncreas e responsáveis pela fabricação da insulina. O hormônio é o que permite a entrada do açúcar circulante na corrente sanguínea para dentro das células. Sem ele, a glicose se acumula no sangue, caracterizando a doença. É diferente da diabetes tipo 2, associada à obesidade e aos seus efeitos sobre o funcionamento da insulina, não à sua produção. No caso da tipo 2, ocorre o fenômeno da resistência à insulina. Ou seja, o hormônio não atua como deveria. O resultado é o mesmo: o excesso de glicose na corrente sanguínea. As consequências também são iguais. A elevada concentração de açúcar no sangue está na raiz das doenças cardiovasculares, é uma das principais causas de cegueira e também de amputações.
ORQUESTRA AJUSTADA
O efeito da vacina BCG em doenças auto-imunes está no leque de interesses da ciência há alguns anos. É, por exemplo, objeto de estudo no tratamento da Esclerose Múltipla, enfermidade neurológica crônica que afeta o sistema nervoso central. Os dados obtidos até agora mostram que a doença tinha parado de progredir em pacientes vacinados havia mais de cinco anos. Também há evidência de eficácia em vários casos de alergia.
“Observamos que o remédio provocou um aumento
na produção de insulina pelo pâncreas” Denise Faustman,
líder da pesquisa, Universidade de Harvard (EUA)
(Crédito:Divulgação)Divulgação
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Nas suas investigações a respeito do impacto do imunizante sobre a diabetes tipo 1, os cientistas americanos descobriram que ele atua sobre genes associados a um tipo específico de células de defesa. Tratam-se dos linfóticos T regulatórios. São assim chamados justamente porque têm a função de regular a ação das outras células do sistema imunológico para que tudo funcione de forma ordenada. Nem demais, nem de menos. Quando essas células encontram-se em desequilíbrio, a orquestra da defesa do corpo se desorganiza. Se estão em baixa concentração, permitem que outras componentes ataquem estruturas identificadas erroneamente como agressores, iniciando o processo que dá origem às doenças auto-imunes. “Verificamos que a vacina BCG induz a fabricação dessas ‘boas’ células T”, explicou à ISTOÉ Denise Faustman, diretora de Imunobiologia do Massachusetts General Hospital, professora da Universidade de Harvard e coordenadora da pesquisa. “Usualmente, elas são chamadas de células supressoras e, na diabetes, não funcionam corretamente. O paciente precisa de mais delas.”
A primeira fase do teste clínico realizada sob o comando da médica apresentou resultados muito animadores. Pacientes diagnosticados havia mais de quinze anos manifestaram um crescimento importante das células T regulatórias e a redução de linfócitos que agiam de forma desordenada. “Observamos também um pequeno aumento na produção de insulina pelo pâncreas”, informou Denise. A princípio, a vacina teria indicação bem precisa. “Seria para pacientes com diagnóstico recente e que possuam ainda alguma quantidade de células beta”, afirma a endocrinologista Isabela Bussade, professora na Pós-Graduação da PUC-Rio de Janeiro.
Na etapa agora aprovada pelo FDA, os pesquisadores reunirão 150 pacientes. A expectativa é tão grande entre cientistas e pacientes que o anúncio do início da próxima fase provocou uma corrida ao laboratório para um lugar na pesquisa. “Os telefones não param de tocar. Calculamos que cerca de cem mil diabéticos tentem se inscrever”, contou a médica. É compreensível que seja assim. A diabetes é doença séria e crônica que exige do paciente muito esforço para que permaneça sob controle. No caso do tipo 1, há a dependência de injeções diárias de insulina para evitar o acúmulo de glicose no sangue. Sua cura representaria um alívio para os doentes e uma das maiores conquistas da medicina.
ATIVAÇÃO GENÉTICA
De que forma a vacina funciona
O QUE É A DOENÇA
É auto-imune (o sistema de defesa ataca estruturas do próprio corpo)
Nesse caso, os alvos são as células beta, localizadas no pâncreas, produtoras de insulina. O hormônio “abre” a porta das células para a entrada do açúcar circulante na corrente sanguínea
Sem a substância, há acúmulo de glicose no sangue, caracterizando a diabetes
O QUE FAZ O REMÉDIO
A vacina reequilibra o funcionamento do sistema imunológico promovendo:
• o aumento da produção de Linfócitos T regulatórios.
Nerthuz |
São parte do sistema imunológico e têm como função regular seu funcionamento,
impedindo que as células de “ataque”
trabalhem de forma desordenada
• por essa razão, baixas concentrações estão associadas à doenças auto-imunes
e a processos de rejeição de órgãos
transplantados
COMO PROMOVE O EFEITO
Eleva a expressão dos genes associados aos linfócitos T regulatórios
O QUE ESTÁ DEMONSTRADO
• Pacientes com diagnóstico há mais de 15 anos apresentam aumento no número desses linfócitos e o desaparecimento das células que funcionavam desordenadamente
• Pequena elevação de produção de insulina pelo pâncreas
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