quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

MAIS SOBRE A FEBRE AMARELA

Avanço da febre amarela na floresta coloca em risco espécies ameaçadas de extinção

Inventário revela diminuição de 11% da população de muriquis em Minas Gerais

O muriqui-do-norte: uma fêmea e seu filhote 
são avistados na RPPN Feliciano Abdala, em Caratinga - Mônica Imbuzeiro

RIO - A maior mortandade de macacos registrada na Mata Atlântica avança pelo Espírito Santo. Mais de 700 carcaças já foram recolhidas em 2017, segundo o primatologista Sérgio Lucena, que há três décadas estuda os macacos do Vale do Rio Doce e regiões vizinhas. Em Minas Gerais, pesquisadores avaliam a dimensão do desastre. Primatologistas estimam que a maioria das mortes em Minas aconteceu no segundo semestre de 2016. Um levantamento no principal santuário de muriquis-do-norte do Brasil, em Caratinga (MG), revelou que a população foi reduzida em 11% desde setembro, embora não seja possível saber ainda se os animais morreram de febre amarela ou de outra causa. A espécie é uma das mais ameaçadas de extinção do mundo.

Lucena lembra que o número de carcaças encontradas representa apenas entre 10% e 20% dos animais que morrem no interior das florestas. No Espírito Santo, agora os macacos morrem principalmente nas matas em torno de Santa Maria de Jetibá. Segundo dados do Ministério da Saúde, até 17 de fevereiro foram notificadas no Brasil 736 epizootias — nome dado aos surtos em animais — a maioria em Minas Gerais e no Espírito Santo. Mas há notificações em outros 11 estados.

— A febre amarela atingiu os macacos em Minas com uma violência impressionante, não paro de me surpreender. O vírus massacrou os bugios (Alouatta guariba) e afeta também outras espécies, inclusive algumas em extinção, como o sagui-da-serra (Callithrix flaviceps) — destaca Lucena, professor do Laboratório de Biologia de Conservação de Vertebrados da Universidade Federal do Espírito Santo.

Histórico de devastação ambiental

As maiores preocupações dos pesquisadores, porém, são os muriquis-do-norte (Brachyteles hypoxanthu), o maior primata das Américas. Historicamente, os muruquis são mais resistentes ao vírus da febre amarela. E essa é a esperança dos cientistas para que as perdas não sejam maiores. A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Feliciano José Abdala, em Caratinga, é um paraíso de matas remanescentes numa região com histórico de devastação ambiental. Outras três espécies de macacos vivem lá. Os bugios, ou barbados, foram praticamente exterminados, diz Lucena.

— Registramos desde setembro a falta de 11% de uma população de 350 animais. É possível que alguns tenham morrido de febre amarela. Outros podem ter sido vítimas da seca extrema dos últimos dois anos, ou ainda de causas naturais. De qualquer forma, voltamos ao número de animais que tínhamos há cinco anos — afirma a professora da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) Karen Strier, a maior especialista do mundo nestes animais e que há 34 anos estuda os muriquis de Caratinga.

Lucena não sabe se a seca prolongada e outros desequilíbrios ambientais favorecem a disseminação do vírus. Ele teme que a febre amarela se instale de vez na Mata Atlântica.

Primatologistas e ambientalistas têm ainda feito um apelo à população para que não ataque os macacos com o equivocado medo de que transmitam a febre amarela. Eles lembram que o reservatório e transmissor é o mosquito.

— Os macacos precisam desesperadamente ser protegidos — frisa Karen.

A fêmea de bugio Carla Perez com um de seus filhotes: 
grupo todo desapareceu - 
Divulgação/Carla Possamai / 

O triste fim de ‘Carla Perez’

Entre tantas mortes dos animais que estudam e amam, cientistas lamentam o fim de uma fêmea de bugio (Alouatta guariba) ou barbado, como a espécie é mais conhecida em Minas Gerais. Ela era carinhosamente chamada pelos pesquisadores de “Carla Perez", em alusão à dançarina, porque era mais loura do que os demais integrantes de seu grupo. O primatologista Sérgio Lucena diz que Carla Perez tinha pelo menos 20 anos e deu à luz vários filhotes, um deles visto com ela na foto ao lado. Ela pertencia a um bando que passava sempre perto do laboratório de campo da RPPN Feliciano José Abdala, em Caratinga. Lucena acompanhava o grupo de Carla desde 1983. “Alguns envelheceram, morreram, mas outros nasceram e o grupo foi sendo renovado”, conta. Não mais. O grupo todo desapareceu em dezembro de 2016 e provavelmente morreu.



POR 
ANA LUCIA AZEVEDO


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/avanco-da-febre-amarela-na-floresta-coloca-em-risco-especies-ameacadas-de-extincao-20945989#ixzz4ZRQhfK3A

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