Triste Natal dos moradores de rua
Foto: José Aldenir
Com uma caixinha, Severina aguarda a ‘caridade’ dos que passam pelo semáforo. |
Enquanto a cidade planeja queima de fogos e shows musicais, turistas compram últimos lotes para festas em hotéis e o cidadão comum organiza reuniões familiares em casa, no final da avenida Romualdo Galvão, às margens do estádio Arena das Dunas, o Natal passa longe de ser uma data feliz.
Postada no canteiro ao lado do sinal, dona Severina Vicente é o retrato da desigualdade social que esnoba credo, gênero e raça. Com uma pequena caixa de papelão, o sol forte e o desprezo são enfrentados como uma guerra diária pelo sustento.
Quem vê aquela senhora franzina, de olhar sofrido e andar rastejante, não faz idéia da existência trágica que caracteriza seus 59 anos. Natural de João Câmara (74 km distante da capital), cega do olho direito, após um acidente vascular cerebral sofrido três anos atrás, é diabética e tem problemas cardíacos e circulatórios, que deixaram sua coxa esquerda amorfa, inchada e dolorida. Analfabeta, tem na desesperança a palavra de ordem para festas de final de ano.
“Eu passo a semana em Natal e durmo na casa de uma amiga em Igapó. Aqui eu tiro R$ 7, R$ 10 por dia. Quando é bom, tiro R$ 15. Dá só pra comer mesmo. Ruim é quando minha saúde piora, como da vez que tive que juntar R$ 85 para pagar uma consulta pro meu coração. Só Deus sabe o que vivo aqui. Mas ele é bom. Pelo menos estou viva”. Sem nunca ter casado, dona Severina é mãe de três filhos, todos adultos. “Dois moram em Goiás e não querem saber de mim. Não vejo há oito anos. Só a que mora em João Câmara se preocupa comigo”.
Chamada de avó por seis crianças que a acompanham na mendicância em Lagoa Nova, Severina diz nunca ter sofrido violência na rua e desconhecer o tempo exato em que vive nas ruas. “Graças a Deus”, apesar do convívio com drogados e jovens delinqüentes. “Aqui tem de tudo, meu filho, mas sou respeitada”. Ao término da entrevista, volta à atenção para os carros que descem a Romualdo, com a mão estendida e a esperança renovada. “Eu queria mesmo era ganhar uma televisão, que não tem na casa de minha amiga”.
Há menos de 5 km dali, no cruzamento das avenidas Alexandrino de Morais e Prudente de Morais, é a vez de Maria Lúcia, de 32 anos, esperar pelo pão que alguém amassou para alimentar cinco pequenas bocas. Mãe de meninos e meninas, cujas idades oscilam entre três meses e 10 anos, a inquilina de um barraco com três compartimentos na favela do Japão chefia a família que ocupa o canteiro central, em meio a garrafas plásticas sujas e trapos adaptados como fraldas.
Aqui eu ouço xingamentos, esculhambação de todo tipo. Outro dia, um homem desceu do carro e perguntou quanto eu queria no meu filho [um bebê recém nascido]. Jamais eu ia vender, né? Fiquei com um medo danado, porque ele ficou um tempão aqui e disse que iria passar a noite cuidando da gente”. Será o oitavo ano em que Maria Lúcia ocupa o mesmo ponto da cidade para levantar recursos pela sobrevivência em datas como o Natal e o Dia das Crianças. “Quando todo mundo aqui consegue alguma coisa, arrumo uns R$50 por dia”.
Meses atrás, outra filha, uma menina de 17 anos, foi encontrada morta em um matagal próximo ao cemitério do Bom Pastor. “Ela era viciada em crack, não estudava e disseram que foi queima de arquivo. Tenho outro menino também, esse tem 18 anos, que é viciado. Vive no meio do mundo e nem sei dele direito. Eu queria mesmo era ter uma casa, um teto que não tenho. Assim eu poderia dar uma vida melhor aos meus filhos. É muito triste chegar num dia como hoje e estar aqui na rua pedindo dinheiro ao povo”.
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