sábado, 11 de fevereiro de 2017

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Cientista e médico sanitarista, Oswaldo Cruz erradicou a febre amarela no Rio

No início do século XX, ele é alvo de críticas por campanhas para eliminar mosquito que transmite doença. Pesquisador, que morreu há 100 anos, foi prefeito de Petrópolis

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No início do século XX, o médico sanitarista Oswaldo Cruz venceu o mosquito Aedes aegypti e algumas epidemias, como a de febre amarela, com ações radicais que eliminaram o inseto em meio a críticas e protestos dos cariocas. Por incrível que pareça, mais de cem anos depois, o mosquito voltou com força total: além de transmitir a dengue, a zika e a chikungunya, pode trazer de volta a febre amarela às grandes cidades brasileiras.

Oswaldo Gonçalves Cruz, nascido em São Luís do Paraitinga, em São Paulo, no dia 5 de agosto de 1872, ainda criança mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, então capital da República. Na cidade, estudou no Colégio Laure, no Colégio São Pedro de Alcântara e no Externato Dom Pedro II, ingressando muito jovem, aos 15 anos, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Aos 20, já estava formado.

Durante o curso interessou-se pela microbiologia a ponto de montar um pequeno laboratório no porão de sua casa. Sua tese de conclusão de curso intitulava-se “Veiculação microbiana pelas águas”. Em 1896, Oswaldo Cruz foi estudar bacteriologia no Instituto Pasteur, em Paris. Na época a instituição reunia grandes nomes das ciências como Émile Roux, cofundador do instituto, colaborador de Louis Pasteur e descobridor do soro antidifteria, e Ilya Mechnikov, ganhador do Nobel de Medicina de 1908 pelos seus trabalhos sobre imunidade.

Ao voltar da Europa, Oswaldo Cruz encontrou o Porto de Santos assolado por violenta epidemia de peste bubônica e logo se engajou no combate à doença. Para fabricar o soro contra a peste, foi criado, em 25 de maio de 1900, o Instituto Soroterápico Federal, instalado na antiga Fazenda de Manguinhos no Rio de Janeiro, tendo como diretor-geral o Barão de Pedro Afonso e diretor técnico o jovem bacteriologista. Em 1902, assumiu a direção-geral do instituto.

A cidade do Rio de Janeiro nos primórdios do século XX era caótica em termos habitacionais e sanitários. Com uma rede de água e esgoto precária, a população pobre vivia em cortiços, e a coleta de lixo era ineficiente. Não é à toa que várias doenças proliferavam: tuberculose, sarampo, tifo, febre amarela e peste bubônica. O presidente Rodrigues Alves (1902-1906) deu plenos poderes ao prefeito Francisco Pereira Passos (1902-1906) para encontrar uma solução para os problemas urbanísticos e sanitários da cidade. Passos ordenou a malha viária da cidade, alargou ruas, abriu a Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco) derrubou cortiços e iniciou o processo de saneamento.

À frente das campanhas contra as doenças, Oswaldo Cruz, que em 1903 havia sido nomeado diretor do Serviço de Saúde da capital da República e prometera acabar com a febre amarela em três anos, travou uma verdadeira guerra contra o desconhecimento da população de como agiam os vetores causadores, principalmente, da peste bubônica e da febre amarela. Em poucos meses, a incidência da peste bubônica diminuiu com o extermínio dos ratos, cujas pulgas transmitiam a doença.

Em 5 de dezembro de 2015, O GLOBO publicou a reportagem “O homem que venceu o Aedes”, descrevendo um dos métodos de Oswaldo Cruz para combater a peste. “O sanitarista incentivou a população a entregar roedores ao seu instituto em Manguinhos. Pagava um preço irrisório, mas o suficiente para que diversas pessoas começassem a criar os animais para depois vendê-los. A estratégia foi tema da marchinha 'Rato rato', no carnaval de 1904. A finalidade capitalista fica clara nos versos finais da música: Rato velho como tu faz horror / Não valerá teu qui-qui / Morrerás e não terás quem chore por ti / Vou provar-te que sou mau / Meu tostão é garantido / Não te solto nem a pau”.

Contra a febre amarela, o sanitarista usou um batalhão de mata-mosquitos que pulverizavam residências, jardins, quintais e ruas onde eram encontrados focos. Sua atuação gerou enorme descontentamento popular, pois grande parte dos médicos e da população acreditava que a doença se transmitia pelo contato com as roupas, suor, sangue e secreções de doentes. No entanto, Oswaldo Cruz apostava que o transmissor da febre amarela era um mosquito. Ele foi muitas vezes combatido e ridicularizado pela imprensa. Era tema recorrente dos chargistas, que não poupavam críticas às medidas adotadas, e alvo de violentos discursos no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, com sede no Centro do Rio.

O ápice do combate às campanhas sanitaristas de Oswaldo Cruz foi quando implantou a vacinação obrigatória contra a varíola. Cariocas já estavam revoltados por terem perdido suas casas no processo do “bota-abaixo”, promovido por Pereira Passos, e temiam que as mulheres fossem obrigadas a se despir na frente de desconhecidos para tomar a vacina. Foi o estopim para que ocorressem vários conflitos de rua entre populares e as forças policiais durante uma semana, entre os dias 10 e 16 de novembro de 1904. Lojas e prédios públicos foram depredados; bondes, virados; trilhos, arrancados, enquanto a população, principalmente a mais pobre, recusava-se a receber os agentes públicos. Este foi o resultado do episódio que ficou conhecido como Revolta da Vacina.

O governo suspendeu momentaneamente a vacinação, decretou estado de sítio e prendeu os principais líderes do movimento, deportando-os para o Acre, na longínqua Amazônia. Ao final dos confrontos, foram registradas cerca de 30 mortes e cem pessoas ficaram feridas. Controlada a revolta, a vacinação obrigatória foi retomada e, em pouco tempo, a varíola foi erradicada.

Em 1907, a febre amarela já estava erradicada do Rio de Janeiro. Já em 1908 nova epidemia de varíola levou a população a ir voluntariamente aos postos de vacinação. No mesmo ano o Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos é rebatizado como Instituto Oswaldo Cruz, cuja construção do castelo em estilo mourisco, na atual Avenida Brasil, tinha sido iniciada pelo arquiteto Luis Moraes Junior.

Em 1910, o sanitarista viajou à Região Amazônica para tentar erradicar doenças que afetavam os trabalhadores da estrada de ferro Madeira-Mamoré. Três anos depois, ele virou imortal, sendo eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Mas em 1916, por questões de saúde, deixou o instituto e fixou residência em Petrópolis, na Região Serrana do Rio.

O médico chegou a ser eleito prefeito da Cidade Imperial. Lá elaborou um plano de urbanização, que não pôde ver concluído. Ele morreu cedo, aos 44 anos, de insuficiência renal, deixando a viúva Emília Cruz, com quem se casara em 1893 e teve seis filhos.

No mês de agosto de 1972, por ocasião do centenário de nascimento do cientista, O GLOBO publicou uma série de oito reportagens intitulada “Oswaldo Cruz, a vitória da ciência”. Nelas contava sua trajetória desde o nascimento, passando pelas batalhas para erradicar as epidemias no Rio na primeira década do século XX, até o seu falecimento.

Atualmente a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é referência mundial na pesquisa científica e na produção de vacinas. Sua produção é exportada para mais de 70 países.

Pesquisa. Oswaldo Cruz no microscópio, ao lado do seu
filho Bento e de Burle de Figueiredo, trabalhando no
Castelo de Manguinhos 1910 /
Acervo Fundação Oswaldo Cruz


Por
Paulo Luiz Carneiro*

Edição 
Gustavo Villela
editor do Acervo O GLOBO


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